“O Cultura Viva emancipa. A burocracia tutela”;
“Potência de uma Narrativa”;
“Povo faz Cultura. Burocrata, burocracia”.
“Direto ao Ponto”
Algum desses frasistas famosos, cujo nome me escapa no momento, disse que “uma batalha começa a ser perdida pelas palavras”. Trago esta frase ao primeiro parágrafo de um texto que se pretende uma análise poética da narrativa do Programa Cultura Viva e sua mais notória ação, os Pontos de Cultura, absolutamente divorciado de qualquer sentimento beligerante. Se o faço é porque nosso tema versa exatamente sobre uma revolução.
O Programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura talvez sejam a única verdadeira revolução experimentada nesses 500 anos do Brasil. Revolução no seu sentido mais primitivo, de revolver – revirar, desarrumar, por em desordem – provocando profundas transformações na compreensão que sempre tivemos do papel de um Ministério da Cultura. (ousaria dizer que além de profundas, irreversíveis. Que por ousado deixo entre parênteses).
Sustenta esta minha crença o fato de que o Programa e os Pontos subvertem a lógica que confere à expressão Cultura, um caráter de erudição e excelência artística, preconceituosamente consagrados pela elite e parte expressiva da nossa academia.
Um programa audacioso, que traz para a centralidade da agenda de políticas públicas de Cultura, de forma inédita, o fazer cultural do Brasil profundo. E recupera seu conceito mais elementar: “Cultura é tudo o que o homem faz”.
Priorizando e revalorizando os processos, em relação às obras artísticas decorrente deles.
Com a leveza e a simplicidade do suave reconhecimento às ações de Cultura realizadas regularmente num determinado território, para o que metaforicamente o Ministro Gilberto Gil chamou de “do-in antropológico”, como na intenção de estimular os “pontos energéticos” deste “corpo cultural”.
Ainda nas palavras do Gil: um exercício de “desesconder” o Brasil profundo, num longo mergulho para apresentar o Brasil aos brasileiros.
Um Programa que, na sua inata vocação subversiva, rompe com a rotina paternalista dos governantes, desfocando as carências para focar as potências dos indivíduos e movimentos sociais e culturais, que sobreviveram por 500 anos à margem das políticas públicas.
Estamos tratando neste artigo de uma verdadeira revolução feita através de muitas batalhas cotidianas e em várias frentes.
Mas, voltando ao parágrafo inicial e a sua frase motivadora – “uma batalha começa a ser perdida pelas palavras” – é preciso transbordá-la da semântica para o espaço da disputa política. O espaço das tensões, dos fluxos e refluxos: a palavra como arma de poder.
A motivação é rejeitar o discurso que criminaliza o Programa, por uma suposta complexidade na sua adequação aos controles burocráticos da Lei 8.666.
Rejeitar o discurso que cria problemas insolúveis que comprometam a continuidade e/ou ampliação do Programa.
Rejeitar o discurso que condena o cidadão comum, contribuinte das riquezas deste país a um “não diálogo perpétuo com o Estado brasileiro”, mantendo este “privilégio” às grandes corporações.
Rejeitar o discurso que elege burocracia como norteadora das políticas públicas.
Rejeitar o discurso subserviente às planilhas de controle e outrose cartórios.
Rejeitar, enfim, o uso indevido das expressões “problema” e “complexo”, nos discursos sobre o Programa Cultura Viva!
O uso, intencionalmente pejorativo, da expressão “complexo” tende a criar um grau de íntimo parentesco com a expressão “complicado”, que é antônima a expressão “simplificado”, que, por sua vez, traz na sua raiz a melhor tradução de um Ponto de Cultura: “simples”.
Porque não há nada mais simples do que o Estado devolver uma “nano-partícula” do montante do imposto arrecadado aos que o pagam, através de um “micro apoio” a uma ação cultural, regularmente desenvolvida por um ou mais contribuintes, em um determinado território.
Esse é o nosso grande desafio da hora: começar a vencer esta batalha pelas palavras.
Fortalecer a narrativa do Programa, com um discurso de palavras escolhidas cuidadosamente.
Enfrentar o palavrório dos que por preguiça intelectual pretendem fugir à discussão sobre o alcance e os incontáveis méritos do Programa, amparados por pseudos argumentos sobre os, não menos falsos, “problemas complexos”, que envolvem a execução do Programa na prática.
Vencer os palavrosos que dizem, cinicamente, que o Programa é “o maior legado do Governo Lula, mas, ‘infelizmente’, esbarra na burocracia antiquada, anacrônica, obsoleta, confusa, retrógrada, caótica…”, que emperra o Estado brasileiro, sob o falso pretexto da necessidade de controle do dinheiro público.
Quando todos sabemos – as manchetes diárias dos jornais nos não nos deixam esquecer – que, ao invés de impedir, a burocracia cria trilhas sombrias para a “fuga científica” dos recursos do Tesouro Nacional, sob o manto sagrado das “complexas planilhas” arquitetadas pelos “especialistas”.
Ora, por favor, entupam a caixa de mensagens desta publicação com respostas à pergunta que não quer calar: Quem deve mudar: o Programa ou a burocracia?
1 – O Programa Cultura Viva é cantado em prosa e verso por autoridades de todos os escalões e esferas governamentais como uma ação espetacular do Estado brasileiro (ou um pouco menos, se exagerei. Mas que é muito elogiado por quase todo mundo é uma verdade inquestionável).
2 – Igualmente, mas em sentido diametralmente oposto, a burocracia brasileira é execrada, amaldiçoada, repudiada, atacada por todo mundo, nos mesmos escalões e esferas governamentais (isto não é um exagero. É uma unanimidade).
Ou seja, o Programa é maravilhoso e a burocracia é um horror!
O que torna crime hediondo de lesa pátria, mudar o bom para atender ao ruim!
Ou será que fiquei maluco?
Seria esta a resposta correta? Não mexer no que emperra e mudar o que dá bons resultados!
Isto por si só já seria trágico. Mas, como tudo que está ruim pode piorar, chega às raias do surreal esta preguiça das autoridades públicas para o enfrentamento às distorções da Lei 8666, para desembaraçar a sobrecarga de trabalho para o MINC, quando em alguns minutos essas mesmas autoridades mexem na “imexível” Lei 8666, para atender a exigências relativa as obras para a copa do mundo de 2014.
Para isso, pode. Muda-se até a Lei.
Aliás, diariamente surgem novas Portarias, Instruções Normativas e outros instrumentos infra legais, que revogam as disposições em contrário, em favor de conveniências pontuais.
Mas, se faltar juízo para alguém que ouse propor uma mínima, que seja, alteração de Instrução Normativa, Portaria, Resolução, ou algo que o valha, para agilizar – desemperrar – uma determinada etapa do processo. Logo será acusado de estar patrocinando o mau uso do dinheiro público.
Por isso, nessa guerra particular de palavras, quero propor a substituição definitiva das expressões “complexa” e “problema”, no discurso que trata do Programa Cultura Viva e dos seus Pontos de Cultura. E substituí-las, respectivamente, por “audaciosa” e “solução”.
Como negar a “audácia” na proposta do Programa e dos Pontos, na medida em que oferece “solução” para a secular falta de diálogo do Estado com a sociedade contribuinte.
Uma ousadia que nunca foi admitida, por não interessar aos Governantes de plantão “puxar assunto” para uma conversa aberta com a sociedade brasileira.
A guerra vai ser muito longa. Precisamos ir de batalha em batalha até a vitória final, quando hastearemos no ponto mais alto do mastro nossa bandeira da utopia eterna. E, insisto, a primeira delas é a batalha das palavras, por aonde vimos sendo derrotados.
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