Fundação José Augusto usa dinheiro do MinC para pagar Pontos de Cultura, mas não deposita sua contrapartida. Até agora, só 36 das 67 entidades receberam a verba
Uma mulher anuncia o casamento. Recebe os presentes, mas o noivo foge com uma amante. Com vergonha de devolver os presentes, a mulher resolve se casar com o primeiro que passa em sua frente, algo que está fadado à infelicidade. A história pode ser comparada a manobra da Fundação José Augusto para impedir que a verba do Ministério da Cultura, destinada aos Pontos de Cultura do Estado, voltasse aos cofres da União. A parte infeliz neste caso, é que dos 67 contemplados em 2008, apenas 36 receberam a primeira parcela e estão impedidos de receber a segunda. O restante sequer teve o processo legalizado neste convênio. No início eram 67 Pontos escolhidos e outros 13 figuravam na lista de suplentes; todos aguardando a iniciativa da Fundação José Augusto. A fundação deveria ter viabilizado o convênio dos projetos potiguares com o Ministério da Cultura. Por razões justificadas em reuniões com os artistas, apenas 36 convênios foram assinados, ainda em 2008. Os demais deveriam aguardar. Eles aguardam até hoje. Isso é grave, mas não é o pior.
O projeto do Ministério da Cultura funciona assim: são escolhidos os projetos, em seguida os convênios são assinados para só depois serem repassados os recursos (em três parcelas). Os recursos partem de duas fontes. Do Governo Federal, através do Ministério da Cultura (80% do total); e do Governo do Estado, através da Fundação José Augusto (20% do total). Cada um dos Pontos de Cultura no Estado receberia ao final de três anos (ou seja, até 2011), R$ 180 mil.
Segundo o representante em Natal, da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, Rodrigo Bico, o dinheiro referente à primeira parcela do Ministério da Cultura, chegou a Natal no primeiro semestre de 2009 e foi repassado apenas aos projetos conveniados. Ou seja, apenas 36, dos 67 semeadores de cultura receberam o valor. Os demais, sequer foram conveniados.
Somando-se aos 80% do valor repassado para os Pontos de Cultura deveria estar os 20%, do governo do estado. Acontece que esta chamada contrapartida nunca chegou a ser depositada. “A ilegalidade do ato, de sacar o dinheiro do Ministério, sem que tenha havido contrapartida do governo estadual, foi a solução encontrada pelo presidente da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto, para impedir que o dinheiro retornasse”, disse um dos integrantes de Ponto de Cultura no Estado, que preferiu não se identificar. Segundo a fonte, tal informação teria sido repassada aos artistas, numa reunião ocorrida em 13 de dezembro de 2010. Prestes a ser concluída a primeira fase do Programa Cultura Viva, o repasse do Governo do Estado ainda não aconteceu.
Pontos de Cultura querem um final menos infeliz
Diferente da mulher que foi infeliz para sempre, os Pontos de Cultura querem outro final. É por isso que os membros de Comissão Nacional de Pontos de Cultura, em Natal elaboraram uma carta, que será entregue a atual Secretária de Cultura do Estado, Isaura Rosado. “Nós vamos entregar a carta a Secretária, para que ela se informe e se posicione a respeito. Tememos apenas pelo fato de que o Governo atual é de oposição ao Governo Federal. Mas a gente acredita que a beleza e a importância do projeto, sensibilize tanto a Isaura, quanto à governadora Rosalba”, disse Rodrigo Bico.
Apesar de Crispiniano Neto e, Fábio Lima não responderem às funções de Presidente e Vice Presidente da Fundação José Augusto, a reportagem fez tentativas frustradas de entrar em contato com ambos, durante a manhã e a tarde de ontem. O mesmo aconteceu com a Secretaria de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, responsável pelas Redes de Ponto de Cultura.
Em outros Estados, Pontos crescem
Imaginando que a cultura é um saco de sementes, a história dos Pontos de Cultura começa assim: em 2008 o Governo Federal chegou, olhou para os solos do território brasileiro e identificou o que havia neles. Convidou os semeadores mais engajados, ou seja, aqueles cujos frutos alimentassem maior número de pessoas e liberou recursos para o plantio. Em Natal, por exemplo, o Circo Grock, os Clowns de Shakespeare, o Projeto Conexão Felipe Camarão, o Boivivo, o Centro Cultural Casa da Ribeira foram alguns dos escolhidos pelo Ministério da Cultura como semeadores do fazer artístico na cidade. Ao todo foram contemplados 67 dos então Pontos de Cultura. Uma ideia original, mas que no Rio Grande do Norte está perecendo sem irrigação.
Os Pontos de Cultura foram idealizados pelo historiador Célio Turino, durante administração de Gilberto Gil. Em entrevista concedida a esta TRIBUNA, em 18 de novembro de 2009, ele disse: “Parei com a ideia da estrutura e resolvi investir nas pessoas. Afinal, quem faz cultura? Não é o governo, são as pessoas, é a sociedade. E essa é a ideia, que é muito simples. Mas que avançou muito. Nós temos hoje mais de 2,5 mil pontos de cultura em todo o país. Temos pontos de cultura em aldeias indígenas, em pequenos municípios, aqui mesmo no Rio Grande do Norte em mais de 60 .
Comissão cobra através de carta
A fala apaixonada de Célio talvez ainda seja ouvida nos estados como o de São Paulo, que tem cerca de 500 Pontos de Cultura funcionando. Aqui a situação é outra. Temos hoje 36 entidades (2/3) que receberam o aporte referente ao primeiro ano de atividade e 17 (1/3) que ainda esperam o depósito da primeira parcela.
Fora esses, ainda temos 13 suplentes que aguardam ser incorporados, pois a contrapartida do governo estadual seria maior que a prometida. Temos ainda 14 Pontos de Cultura mais antigos que foram selecionados ainda antes do Governo Estadual ser convocado pelo Ministério da Cultura a participar do processo (antes não havia contrapartida dos estados), portanto gozam do privilegio de uma relação direta com a administração pública federal.
A situação é agravada pelo cancelamento de convênios com o Ministério da Cultura, atitude denunciada pela atual Secretária de Cultura, Isaura Rosado, através do twitter, e justificada pelo ex-presidente da Fundação José Augusto, como sendo culpa do governo, por não ter honrado com o compromisso de repassar a sua parte.
Fato é que a partir desta data todo o projeto esta travado no RN por razões diversas. É sabido que nenhum Ponto de Cultura (estadual) poderá se valer de mais nenhuma verba ou parcela enquanto o Estado não resolver essa questão com a União, tanto os que estão em funcionamento como aqueles que ainda esperam o primeiro pagamento. Existem hoje mais de 60 entidades, distribuídas em todo o estado, impedidas de darem continuidade ao indispensável trabalho de base que vinham realizando. Os Pontos de Cultura carregam hoje a responsabilidade de ser um raro exemplo de política pública para a cultura que buscam a continuidade e a formação, diferente das pontuais ações de eventos tão comuns em nossos dias.
A Comissão Estadual dos Pontos de Cultura lança uma Carta de Intenções sobre itens pendentes, publicada no site da TN.
Carta de Intenções do Rio Grande do Norte
Diante da situação nacional descrita na Carta de Pirenópolis feita pela Comissão Nacional dos Pontos de Cultura em fins de novembro deste mesmo ano, apresentamos nossa carta de intenções para o Estado do Rio Grande do Norte. São tópicos de grande importância para o desenvolvimento das políticas culturais do nosso estado, pois os Pontos de Cultura encontram-se na base de nossa sociedade, e diante da atual situação das contas do Governo do Estado, nós enquanto fazedores de cultura não podemos pagar por uma possível falta de competência por parte do Governo para cumprir suas obrigações financeiras. Abaixo elencamos nossos pedidos e reivindicações:
Continuidade do Programa Cultura Viva no Rio Grande do Norte, acreditando que esta seja uma importante política de Estado e não só de governo, mesmo sem estarmos assegurados
por uma Lei estadual;
Quitação imediata da 1ª parcela dos Pontos já Conveniados e não-conveniados aprovados no edital Estadual dos Pontos de Cultura de 2008 até o fim deste ano (2010); Quitação imediata da 2ª parcela dos Pontos que já encerraram seu primeiro ano de atividades até o primeiro bimestre do ano de 2011;
Garantia de apoio para a realização da TEIA Potiguar 2011, a ser realizada entre os dias 21 e 24 de abril de 2011;
Pagamento de todos os editais ainda em abertos desde o ano de 2008, acreditando no envolvimento de muitos Pontos de Cultura nos mesmos, e sua continuidade para a próxima gestão;
Criação de uma Lei Estadual de Cultura, unificando todos os editais já lançados, afim de garantir sua continuidade de forma anual e transparente numa política cultural contínua em que não submeta os Pontos de Cultura aos financiamentos de empresários pouco preocupados com o desenvolvimento da cultura em comunidades do nosso estado;
Queremos uma posição fechado do MinC e do Governo do Estado do RN em relação ao indicativo de 100 (cem) novos Pontos de Cultura em nosso Estado;
Natal, 13 de dezembro de 2010.
Comissão Estadual dos Pontos de Cultura do Rio Grande do Norte
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