Quando a burocracia mata. O fim de um Ponto de Cultura.


Brasil Vivo
Há dois dias recebi este email:  
“infelizmente, amigo, um dia sonhamos juntos por um Brasil cheio de pontos de cultura. Mas hj mais um se apaga, aqui no Norte do Paraná, na Londrina de terra roxa. 
Não sei o que fizemos de tão errado nesse cincos anos, mas agora somos taxados de “devedores”, “ladrões” e tenho a impressão que os ventos que sopraram a nosso favor voltaram em forma de um grande furacão. 
 Mais um ponto que se apaga.
Fabricio”
Essa mensagem veio da Casa das Fases, um Ponto de Cultura dos mais delicados. Os visitei uma única vez, creio que em 2006, mas o trabalho deles e delas (a maioria são velhas e queridas senhoras) me marcou tanto que tornamo-nos amigos, mais por trocas epistolares (muitas vezes recebi cartas escritas à mão, assinadas por dona Jandira – a presidenta da entidade, que faleceu no ano passado-) todas cheias de emoção e palavras de estímulo. Agora recebo esta mensagem de Fabrício, o coordenador do Ponto de Cultura, eles renderam-se à burocracia estatal e seu Ponto de Cultura será mais um que se apaga.
Haveria solução, mas quando um governo rende-se à “burocracia sem alma” (no conceito de Max Weber) o resultado é a morte da Cultura Viva. Para quem quiser conhecer o trabalho deles, segue um vídeo que encontrei no youtube e também um capítulo que escrevi em meu livro “PONTO DE CULTURA – o Brasil de baixo para cima”. Quanto à solução, o caminho para resolver esta prestação de contas e de vários outros Pontos de Cultura em situação semelhante (todos muito honestos e comprometidos e que fizeram um trabalho com resultados muito além do que havia sido contratado, diga-se), seria reunir os diversos orgãos de controle estatal (CGU – Controladoria Geral da União -, TCU – Tribunal de Contas da União- e os Ministérios do Planejamento e Cultura) e produzir um termo de ajuste que reconhecesse a prestação de contas dos Pontos de Cultura pelo cumprimento do Objeto (resultados) dos Convenios e não pelos procedimentos burocráticos das notas frias. Em São Paulo este caminho (prêmio ao invés de convênios) já foi adotado desde 2009, com a rede de 300 Pontos de Cultura do Estado e já deveria estar sendo aplicado nas demais redes (inclusive retroativamente); porém, com a mudança de governo, o pântano burocrático prevaleceu -e continua prevalecendo até o dia de hoje- na condução das políticas públicas. Triste.
http://www.youtube.com/watch?v=pPYkAqJzc6I


Sergio Bairon escreveu este texto em referencia a um artigo que acabo de publicar na revista forum (segue link abaixo) e considero muito pertinente repassar (em especial à Casa Das Fases, ao menos para que não se sintam sós - contem conosco, seguimos juntos)

Raymundo Faoro, em "Os Donos do Poder", nos oferece uma análise da historicidade de como criamos um Estado Patrimonialista Burocrático ao longo da(s) história(s) Brasil-Portugal. Os Pontos de Cultura representaram a maior conquista que tivemos em séculos de História, justamente por reconhecerem a autonomia orgânica da Cultura Oral brasileira, iniciativa absolutamente inédita por parte do Estado brasileiro. Neste texto de Celio Turino encontramos mais um testemunho de como a tradição patrimonialista burocrática não compreende as organizações orgânicas da sociedade. Em certos trechos do Livro, Faoro parece estar falando desta morte anunciada pelo estamento burocrático: "A cultura, que poderia ser brasileira, frustra-se ao abraço sufocante da carapaça administrativa. Velhos quadros e instituições anacrônicas frustram o florescimento do mundo virgem. Deitou-se remendo de pano novo em vestido velho, vinho novo em odres velhos, sem que o vestido se rompesse nem o odre rebentasse".

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